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Levanta e dança: Aline é quem dita os seus passos

Podemos dançar as palavras cantadas, mas é possível traduzir verbalmente o movimento? Aline Maia reforça que dança é a expressão da verdade

Dentro do ritmo frenético da cidade do Rio de Janeiro, seja no trânsito de buzinas ou no som do mar  quebrando as suas ondas, existem batidas que além de fortes já fugiram dos limites geográficos da cidade carioca, os audaciosos funk e rap.

Para o senso comum,  a dança é vista como uma prática acessível para todos, principalmente quando estamos falando de lazer, de festa e curtição entre amigos, mas os movimentos que explodiram no TIK TOK, fazendo parecer algo natural e instintivo, para algumas pessoas, requer muito estudo e preparo quando o intuito é transmitir uma mensagem.

Talvez antes bastasse somente ser feliz e andar tranquilamente na favela onde tenha nascido, agora além dos passos diários da caminhada, é possível encontrar outras formas de movimento que a dança apresenta, dando de cara, e corpo, com a felicidade que toda uma comunidade tem em seu lugar.

Toda essa conversa deixa uma dúvida na pista: “Quando é que a dança virou um negócio de sucesso no mundo dos ‘hit makers’?”, “Quando é que desenrolar, bater e jogar de ladinho se tornou o novo Ragatanga, com o seu antigo ‘Aserehe! Ra! Dahe!’?”, podemos ter a visão de que assim como Diego que vinha dobrando a esquina, avistado pelas integrantes do grupo do Rouge, alguns artistas viram grandes oportunidades que ele trazia, além da lua em seus olhos e seu jeito de malandro.

DANÇAS E COREOGRAFIAS

A indústria musical está vivendo um momento em que a coreografia tem o mesmo peso (ou maior) do que é cantado pelo artista que está com o mic na mão, às vezes, sabemos o passo, mas não conhecemos o ritmo ou o som original, mas a pergunta que não quer calar, ou melhor, a que nos faz dançar é: “Qual é a mente dançante por trás de todos esses passos coreografados?”

Aline Maia, coreógrafa

SE ELA DANÇAR, DANÇOU!

Com 31 anos, nascida no Rio de Janeiro e moradora da comunidade do Vidigal, Zona Sul carioca,  Aline Maia é professora, coreógrafa e dançarina, ela cria diversos personagens com o seu corpo em clipes, filmes e aulas que ditam o ritmo da sua vida.

A carioca é cheia de sonhos e enche o peito para falar de arte,  principalmente do seu profissionalismo. Conversando com a dançarina, é fácil perceber que apesar do sorriso enorme que carrega em seu rosto, pontua sempre que dança para ela é coisa séria.

Os dançarinos Aline Maia e Pablinho Fantástico.

“O meu primeiro contato com a dança foi encontrando uma turma de jazz no salão de festa do condomínio onde eu morava, encontrei uma professora dando aula de dança com a música ´Like a Virgin ́ da Madonna, eu tinha oito anos. Fiquei fascinada com a ideia de que poderia existir uma aula de dança, mas não fui por esse caminho. Eu sempre tive contato com o funk, sou carioca e sempre acompanhei a ‘Furacão 2000’, quando eu tinha 13 anos, fiz a minha primeira aula de hip hop, desde então nunca mais parei de dançar e estudar muito”, conta Aline.

Se o Rio de Janeiro no verão chega até 40 graus, os passinhos de Aline com os seus companheiros nos vídeos que estão viralizando na internet,  chegam pegar fogo nos likes e compartilhamentos. A estética dos vídeos traz uma nostalgia que lembra o início dos anos 2000,  com o uso do shortinho da marca ‘Bad Boy’,  os chinelos da ‘Kenner’, camisa do Flamengo, paisagem das comunidades ou orla do Rio, ela  crava ainda mais a ideia de que esse É DO BRASIL. Ela conta em entrevista para o Portal Rap Dab como funciona a criação das suas coreografias:

“Coreografia depende do meu estado de espírito, tem dias que entrego em 20 minutos, já outros em 5 dias, depende da vivência, o que me inspira é viver, ir para festas, faço muito laboratório em festas. São nesses locais que eu mais estudo, vou para diferentes lugares, vou para Madureira, vou para baile funk, baladas e observo. Vejo como as pessoas se posicionam a cada música que sai, a expressão delas, tento trazer a maior realidade possível para o meu trabalho”.

Aline Maia

Além das coreografias para os seus vídeos, Aline também já trabalhou com grandes artistas musicais da cena, como um dos clipes que bombou na ascensão da rapper Flora Matos com a música Pretin, que teve os movimentos orquestrados por ela, a professora que é conhecida por muitas pessoas em vídeos de até um minuto, já coreografou clipes e cenas muito mais longas do que essa. 

“Trabalhei com a Flora e foi um dos primeiros clipes que teve dança no salto algo mais comercial, foi o clipe de ‘Pretin’ que eu coreografia. Tentei trazer uma coisa mais diva naquela época da Flora”, relembra.

O BALÉ DE NAS PLATAFORMAS

Um de seus últimos trabalhos foi com a participação livre para dançar como quiser no clipe de sucesso do rapper L7nnon, com Ai Preto, onde ela foi convidada pelo cantor para soltar seu corpo diante das lentes, mostrando toda a sua criatividade.

“A coreografia do L7nnon é algo de funk de cria, algo mais popular que está rolando agora, são movimentos que os meninos vão querer fazer”, explica a coreógrafa.

Aline ao lado do rapper L7nnon para o clipe “Ai Preto”.

Aline é requisitada na arte sonora por olhar não somente para os passos atuais, mas para todo o conhecimento que ela busca absorver na história da música em que ela vai se debruçar para criar novos movimentos. Ela traz mais densidade para a arte criada, estudando histórias e culturas que chegam juntas com a dança, já que ela mesmo explica que cresceu dançando funk e se influenciando com todo o movimento desse gênero musical.

“Quando comecei a dar aula, abri uma turma de dancehall, eu estudava ragga e quis me aprofundar nesse estilo de dança urbana. Com 18 anos, queria fazer faculdade de Dança, Educação Física  ou Rádio Televisão, mas aí eu não gostei da grade de dança porque era contemporânea e balé e eu sempre soube o que queria,  era dança urbana. Eu sentia falta no mercado brasileiro e sabia que eu queria gravar videoclipes e colocar dança nos vídeos de cantoras de rap”.

O RELÓGIO ESTÁ DE BEM COM ELA 

Atualmente Aline faz parte do time que está na produção do filme que contará a história dos artistas Claudinho e Buchecha, o longa-metragem “Nossa Sonho” ainda não tem data prevista de estreia,  traz os atores Juan Paiva e Lucas Penteado interpretando os músicos. 

Cena do filme “Nosso Sonho”, história baseada na vida de Claudinho e Buchecha.

“No hip hop trabalhamos muito com workshop, antigamente a gente tinha que ficar viajando para participar de festivais e fazer aulas com outros professores. A minha escola de dança foi uma companhia, né? Participei por 9 anos da companhia de hip hop, então toda minha base de estudo foi lá, com 18 anos comecei a dar aula”.

A professora de dança foi responsável pela coreografia de bailes funks que serão exibidos em algumas cenas do filme, mas também fez uma participação como atriz, contracenando com Juan Paiva que será o ‘Buchecha’

“O filme do Claudinho e Buchecha é sobre uma dupla de funkeiros do Rio de Janeiro que acessa ao passado do funk, está tudo na mesma sintonia com o meu trabalho. Acabei fazendo a coreografia de 3 bailes que terão no filme e, de última hora, sendo chamada para participar atuando, foi a minha primeira experiência assim […] Ao lado do Juan Paiva, foi uma loucura”, conta a dançarina.

AULAS E CURSOS

Aline também quer levar a dança para empoderar mulheres com seus cursos online com diversos ritmos e vários módulos para quem quer se aprofundar mais em cada movimento e  conhecer melhor o seu corpo. Uma ótima atividade para resgatar a autoestima.

“Resolvi criar um site de aula online, lá tem vários módulos em estilos musicais, tem hip hop, funk, tem reggaeton, dentro do reggaeton eu coloco ragga, dancehall.    Tem o pop, onde eu coloco o jazz funk. Hoje em dia, tenho 3 mil alunos online pelo mundo inteiro, dedico toda a minha vida nesse projeto porque foram dois anos de estudo para ver se existia realmente a possibilidade de aprender a dançar com aulas online. Naquela época, na minha cabeça, não tinha como aprender a dançar olhando a TV ou o celular, hoje, a minha mente mudou. O meu sonho era morar nos Estados Unidos para estudar dança, desde criança, agora eu estudo! Já que todas as academias de dança se moldaram ao online. Eu sei que existe a falta dessa conexão presencial, então uma vez por mês eu faço aulão no Rio de Janeiro, São Paulo, entre outras cidades”.

Imagem do seu site com aulas online de dança.

TIK TOK DAS CAVERNAS

Antes de qualquer coreografia feita por Aline, a dança nascia como um tipo de manifestação artística que faz uso do corpo como um instrumento criativo e normalmente chega acompanhada do apoio musical, mas é possível realizar sem o som.

Ainda na pré-história surgiram os primeiros sinais demonstrativos de danças entre os humanos, como bater os pés no chão e bater palmas. Essa combinação com diferentes intensidades e ritmos, geraram novos movimentos, alguns pesquisadores indicam que a dança possa ter surgido ao mesmo tempo em que a música, como uma forma de comunicação. A princípio era bastante relacionada a cerimônias ritualísticas e espirituais.

Hoje, quando abrimos o app do TIK TOK, podemos ver a celebração em movimentos que a geração mais nova criou em torno dos movimentos, são mãos, pés, cintura e cabeça combinando diferentes jeitos de narrar dançando uma letra musical. Aline comenta o que acha da rede:

“Eu não faço as trends do TIK TOK, mas tenho a plena consciência de que ele abriu muito as portas para a dança, é uma ferramenta para todas as pessoas que não são profissionais da dança terem a liberdade de querer dançar e também buscar outras possibilidades. Algumas alunas do meu portal online são Tiktokers bombadas, que enxergam essa tendência da plataforma, mas buscam mais coisas, porque na realidade quem montam essas trends são os profissionais da dança”.

FAZ A POSE, OLHA O FLASH!

Alguns registros de todo esse começo na dança foram feitos ainda dentro das cavernas, pinturas encontradas em rochas, que hoje são interpretadas como figuras humanas em movimento, são vistas como danças na atualidade. 

Disponível na web

Podemos comparar vários passos em diferentes estilos e olhar seus movimentos paralisados, pensando na forma que seriam interpretados em outros tempos e culturas. Assim como um dia o que está sendo entregue hoje nas redes sociais vai virar somente uma referência, história para contar e estudar.

“No momento está em alta as dancinhas do TIK TOK, mas acho que tudo passa, sinto falta de mais trabalhos artísticos, acho que está na hora da gente incluir mais informação. O meu trabalho chega lá, mas o que eu faço não está relacionado com as danças de trends. Comparando com esse universo, meu trabalho tem um conceito, tem uma história e um contexto”.

A dança reflete muito a cultura do lugar em que ela se origina, mostrando várias faces da população, mesmo com a sua carga histórica ao longo do tempo todos esses sinais e movimentos tendem a mudar, uma nova ‘moda’ chega, um novo estilo de dançar e se comunicar é iniciado.  Hoje podemos ver uma ascensão do funk, pop e rap em vídeos, mas o que vem por aí nem os mais antenados são capazes de dizer.

“O funk teve uma crescente na procura dos cursos, também por ser um dos estilos que mais gasta caloria nas minhas aulas, também por ser o Brasil, né? Mas o hip hop é o segundo mais procurado”.

ME DIGA COM QUEM TU DANÇAS…

Presenciamos danças coletivas, individuais e de todos os jeitos, mas as danças em pares iniciaram apenas no século XIX como a valsa, a polca, o tango e outras que foram chegando e ocupando o seu espaço.

Um dos estilos musicais que revolucionou a dança no século XX foi o rock’n roll, com passos mais ‘descoordenados’ e soltos ao ritmo do som, além de outras características que mudaram esses movimentos na arte, aspectos culturais como  mistura de povos geraram o maracatu, o samba e a rumba. E essa mistura de etnias e cultura também interessa a dançaria do Rio.

“Minha maior meta é crescer na internet com o meu trabalho, divulgar a minha plataforma de aula online, chegar em um patamar que eu possa viajar o mundo inteiro gravando, tipo na África, Estados Unidos e na Europa, trazendo as experiências das outras culturas para dentro da minha escola online. Eu vou vivendo, mas tenho um objetivo lá na frente, não vou vivendo sem saber o que eu quero. o projeto da plataforma eu cuido como se fosse um filho, é o meu projeto de vida”, explica Aline.

MÚSICA TAMBÉM É RESISTÊNCIA

A cultura periférica se tornou muito mais relevante com a explosão de alguns estilos musicais nos últimos 20 anos, principalmente, com artistas como a Anitta e Gloria Groove trazendo a estética do furacão 2000 para os seus shows, figurinos e grande balé.

“Acho que uma virada de chave para o Brasil foi o ‘Show das Poderosas‘ (2013), ele foi um boom  na visão das pessoas em relação ao show business e videoclipes, as portas e as possibilidades se abriram”.

ANATOMIA DO MOVIMENTO

Aline faz questão de sempre ressaltar, “As crianças e adolescentes que estão no TIK TOK, elas sabem que ali é só uma porta de entrada para quem quer se profissionalizar. Elas vão buscar mais, não tem como ficar só naquilo, é muito limitado não entra nem na categoria dança. Os professores mais velhos tem que entregar esse conteúdo mais artístico para TIK TOK, da forma que trabalham, dá até para fazer a trend para engajar, mas tem que entregar o que foi estudado a vida inteira”.

Um palco que ainda sente falta de professores de dança são os espaços escolares, é uma ótima forma de introduzir no currículo dos alunos novos tipos de culturas através do que o povo expressa em seu momento de lazer. Ensinar novas tradições e visões de sociedades ainda pouco abordadas.  O que significaria mais espaço para pautas políticas e ‘escuta’ para as periferias nos  ambientes acadêmicos, na busca de evitar injustiça social e falta de cultura e expressividade apenas para uma parcela do Brasil.

A MULHER NA DANÇA

Ser dançarina vai muito além do movimento, o trabalho que ainda é visto com um olhar hipersexualizado do corpo feminimo, precisa romper barreiras diárias.

O corpo da mulher ainda é o corpo mais violentado na arte e na sociedade, principalmente o corpo negro. Quando colocamos em destaques esses ritmos que são mais populares nas favelas, como rap e funk, notamos a importância do mercado passar a olhar essas produções e investir fortemente nesses gêneros musicais.

“Eu sempre transitei no meio do rap, a minha paixão é o rap, trabalhei com a Flora, Karol Conká, Tasha & Tracie que é um lado mais underground, mas cheguei a fazer Ludmilla que é mais comercial. Para a Karol fiz ‘Louca e Sagaz’ que viralizou no BBB a coreografia quando ela dançou no programa, também fiz a coreografia e participei do clipe ‘Salve’ da Tasha e da Tracie, elas são as minhas apostas no rap”.

As irmãs do rap Tasha & Tracie

Esses estilos musicais marcados na periferia, como rap, funkhip hop e trap,  acabam sendo, por muitas vezes, o pai e a mãe de garotos e garotas sem suporte familiar, eles encontram na arte ensinamentos que vem de letras e danças, formulando ali a sua autoestima, independência e liberdade para expressar seus pensamentos. O papel do professor de dança na vida das pessoas vai além do que se aprende para o intelecto, mas também para alma, saber enxergar a sua importância no mundo, onde o aluno aprende a gostar mais de si mesmo.

“Sempre gostei muito de dar aula, desde o início da minha carreira eu via que era a minha forma de contribuir com a sociedade, me sentia útil em saber que aquela pessoa se sentia melhor ao sair da aula em relação a autoestima e atividade física. Sempre gostei dessa contrapartida que ser professora de dança me causou”.

A DANÇA NA RUA

Uma das características da dança urbana ou dança de rua é a liberdade no improviso, no Brasil os ritmos que mais se popularizam no momento são o funk e o rap, ‘o funk carioca’, ele dita a moda e cria ritmos que são distribuídos em diversos estilos musicais. Aline criou uma legião de seguidores com vários passos em lives no seu Instagram durante a pandemia.

“Na pandemia fechou tudo e eu estava surtada como todo mundo, sem nada pra fazer e comecei a dar as minhas aulas online pelo Instagram em lives. De repente começou a bombar muito, por exemplo, começamos com 500 pessoas e de repente eram 3 mil pessoas ao vivo, todo dia na aula. Começaram a chegar as marcas patrocinando as lives, vi que estava dando certo”.

É um ritmo que começou a aparecer nos anos 80, quando o novo som Miami Bassoriginado na Flórida, propôs músicas um pouco mais erotizadas, acompanhado de rápidas batidas, foi então que a partir de 1989, os bailes de funk começaram a se consagrar e atrair muitas pessoas, não é atoa que chama a atenção de Aline desde a sua infância.

“Desde criança, as minhas maiores brincadeiras na infância eram imitar bandas e cantoras”.

Enquanto isso, seja no funk ou em gêneros musicais distantes dessa batida, os festivais de música no Brasil aparecem cada vez mais repletos de bailarinos no palco, cercando seus cantores que ao soltar a voz, esperam que o público entenda a letra e devolva com muito gingado. Uma das artistas que chama a atenção da coreógrafa para futuros trabalhos é a Iza, uma artista que faz o nome em seus espetáculos no palco.

“Hoje em dia eu sonho com a Iza, que ela vai me ligar e falar ‘Oi, Aline! Vamos?!’, nem como coreógrafa, mas como bailarina também, acho ela a nossa Beyoncé. Ela é a que mais faz meu olho brilhar”.

A carreira de Aline cresce na dança profissional, na confiança de compositores, diretores de cinema e publicitários, ela é chamada porque sabe reger corpos humanos no desejo de formar espetáculos. Mulheres dançando, coreografando e dando aulas – presencial e online -, fazem do mundo um aluno que ainda vai aprender muito com quem cuida dos passos igual toma conta das ideias, um grande balé da cabeça aos pés. 

Conheça Aline Maia em suas redes sociais, visite o seu curso e se jogue na dança.

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Ana Carla Dias

Jornalismo e Direção de Arte

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